sábado, 8 de dezembro de 2012

Sistema Renina Angiotensina e Câncer



Segundo tipo mais freqüente no mundo, o câncer de mama é o mais comum entre as
mulheres, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano. Se diagnosticado e tratado oportunamente, o prognóstico é relativamente bom. No Brasil, as taxas de mortalidade por câncer de mama continuam elevadas, muito provavelmente porque a doença ainda é
diagnosticada em estádios avançados. Na população mundial, a sobrevida média após cinco anos é de 61% (INCA, 2010).
O Sistema Renina Angiotensina (SRA) é um mecanismo de sinalização hormonal amplamente conhecido como um sistema de regulação da pressão sanguínea. A via clássica inicia com a liberação de renina (REN), uma aspartil-protease que cliva angiotensinogênio (AGT) produzindo angiotensina I (Ang I) que é hidrolizada pela enzima conversora de angiotensina I (ECA) produzindo angiotensina II (Ang II); este octapeptídeo exerce suas funções através de seus receptores específicos, receptor de angiotensina II tipo 1 e tipo 2 (AGTR1 e AGTR2, respectivamente) (Frossard e cols., 2001). A maior parte dos efeitos fisiológicos são atribuídos à via de sinalização do AGTR1. 


Recentemente, contudo, têm sido descrito atividades mitogênicas e angiogênicas a estes
componentes do SRA (Fujita e cols., 2002; Greco e cols., 2003). Desde que angiogenesis e
processos proliferativos são relacionados ao desenvolvimento, progressão e metástases do câncer, é possível acreditar na correlação entre os diferentes do SRA e câncer (Deshayes and Nahmias, 2005). Atualmente, diversos estudos correlacionam este Sistema a diversos tipos de câncer (próstata, renal, pulmonar, mamário, etc) (Kosaka e cols., 2011; Queisser e cols., 2011; Hoshino e cols., 2011). Componentes do SRA são expressos em vários tipos de câncer e estão envolvidos em carcinogênese e em progressão tumoral (Okamoto e cols., 2010; Vaclavas e cols., 2011). O SRA local na prostata está relacionado à proliferação e a angiogênese (Hoshino e cols., 2011). 


Além disto, vários estudos com polimorfismos genéticos tem demonstrado a associação de componentes do SRA ao câncer de mama (Correa e cols., 2009; Mendizábal-Ruiz e cols., 2010; Namazi e cols., 2010; Correa-Noronha., 2012). 
Vários autores mostraram evidências do envolvimento do SRA em tecidomamário e o seu rompimento pode estar envolvido em um ou mais passos que levam a
carcinogênese (del Pilar Carrera e cols., 2010).


A. O Sistema Renina-Angiotensina e a Hipertensão Arterial


O sistema renina-angiotensina (SRA) possui uma importante função na regulação a curto e a longo prazo da pressão arterial sanguínea e no balanço eletrolítico e de fluidos (Tigerstedt e Bergman, 1898; Peach, 1977). O potente vasoconstritor octapeptídico angiotensina II (AII), pertencente a esse sistema, é o principal produto da hidrólise do decapeptídio angiotensina I (produto da ação de renina sobre o angiotensinogênio) pela enzima conversora da angiotensina I (ECA). A AII regula uma série de respostas fisiológicas nos sistemas cardiovascular, endócrino e neuronal, incluindo homeostase hidromineral, produção de aldosterona e função renal (Peach e Dostal, 1990; Catt e cols., 1993; Timmermans e cols., 1993), além de síntese de proteínas em células do músculo liso vascular (Griendling e cols., 1994), na mitogênese e na proliferação celular (Weber e cols., 1994).

Com base em suas características farmacológicas, várias classes de receptores de AII têm sido descritas. As subclasses mais importantes de receptores para AII que foram identificadas são: AT1, AT2 e AT4 (Chiu e cols., 1989; Whitebread e cols. 1989; Timmermans e cols., 1993; Wrigth e cols., 1995; Unger e cols., 1996). Esta caracterização é baseada na diferente seletividade de antagonistas de AII não-peptídicos em relação a estes receptores. Muitas das ações conhecidas da AII parecem ser mediadas por receptores AT1, enquanto as funções farmacológicas do receptor AT2 são menos conhecidas. A ligação da AII ao receptor AT1 estimula uma série de vias de transdução de sinal, incluindo a ativação da fosfolipase C (PLC), para gerar trisfosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG), resultando na liberação de cálcio de estoques intracelulares e ativação de processos dependentes de proteína quinase, respectivamente (Smith e cols., 1984; Pfeilschifter, 1988; Griendling e cols., 1986). A AII também modula, via ativação de Gi ou Gs, a produção de AMP cíclico (AMPc) (Anand-Srivastava, 1983; Kubalak e Webb, 1993), ativa a cascata da proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK), promove a fosforilação de tirosinas de proteínas citoplasmáticas (Griendling e cols., 1997; Schorb e cols., 1994) e ativa canais de Ca2+ dependentes de voltagem sensíveis a dihidropiridinas (Kojima e cols., 1985; Hescheler e cols., 1988).
A clonagem de receptores da AII de várias espécies tornou possível o estudo extensivo das características estruturais da interação receptor-agonista, responsável por muitas das propriedades funcionais específicas do receptor AT1. A análise mutacional dos receptores AT1 tem identificado muitas das seqüências e resíduos de aminoácidos envolvidos na interação dos ligantes, na ativação dos agonistas, no acoplamento da proteína G e na internalização do complexo agonista-receptor (Hunyady e cols., 1994).
Através do uso da técnica de mutagênese sítio-dirigida, resíduos de leucina (L) das posições 262 e 265 da região transmembrana do receptor AT1 foram permutados por um ácido aspártico (D), obtendo-se os mutantes AT1-L262D e AT1-L265D. Após caracterização bioquímica, verificamos que somente o mutante AT1-L265D apresentou uma marcante diminuição na afinidade e capacidade para estimular a produção de fosfatos de inositol (Correa e cols, 2002a; Correa e cols., 2002b). Posteriormente, ao longo do doutorado, continuamos o estudo dos mutantes AT1-L262D e AT1-L265D, que apresentaram elevados valores basais de AMPc, correlacionados à inibição do crescimento celular e ao aumento na formação basal de fosfatos de inositóis. Ademais, a ação mediada pelo AMPc pareceu não ser limitada à proliferação celular, sendo também observada transformação morfológica em células ovarianas de hamster chinês (CHO) transfectadas com estes mutantes (Corrêa e cols., 2005a).
Em conformidade com as nossas observações, Singer-Lahat e cols. (1996) reportaram que células CHO apresentaram variação fenotípica mediada por AMPc. Concomitantemente a estes estudos, produzimos e caracterizamos novos mutantes com substituição de resíduos extracelulares do receptor AT1, que apresentaram ativação constitutiva e internalização independente do agonista AII (Correa e cols., 2006), os quais não apresentaram alteração na proliferação celular, nem mudança morfológica ou aumento basal de AMPc.